sábado, 29 de dezembro de 2012

Notas mentais para 2013

Este post tem seu título parafraseado, na cara dura, de Mapas do Acaso (Beto Gessinger, Editora Belas-Letras, 2011), interessante livro que li no mês mais maluco e anormal de toda minha vida (05/12 - se o leitor se der o trabalho de teclar PgDn na página principal do blog facilmente descobrirá esse porquê). Na obra Gessinger, não somente um compositor musical mas sim trovador da alma do homem urbano contemporâneo, relata poeticamente trechos de sua trajetória íntima como artista, contextualizando sua obra e trabalho como músico e seu eu humano, trabalhador (certamente não precarizado como eu e você...) e artista. A propósito, tenho refletido recentemente em como os artistas são almas privilegiadas, sofredoras, que vivenciaram de alguma forma a catarse e, em seguida, a sintetizaram de forma bela e palatável em arte, belas-artes, melodias, etc. Será que na próxima vida estarei apto a ser um artista? Nesta, não consigo aprender violão, rabiscar razoavelmente uma reles casinha num papel, ou sequer preencher um caderno de pintura infantil com precisão... Apenas tento sentir as coisas e sintetizá-las em meu pensamento pequeno. Pras artes, deixa pra próxima.

Ouso, entretanto, a descrever e compartilhar as anotações mentais que realizei neste ano em forma de trovas; não que seja, almeje ou ouse ser um poeta, mas sim por acreditar que esta é uma forma singela e emotiva de descrever sentimentos. Valorizo e admiro aqueles que dominam a gramática para fazê-los em prosa, academicamente, ou ainda mais em versos. O descrito a seguir representa a síntese do vivido e, a partir de então projetado para ser vivido após.


Notas mentais para o próximo ano

Ser mais autêntico
Não gastar aquilo que não se tem
e contentar-se com isso.
Principalmente: esforçar-se para isso.
Relaxar com as coisas que não têm solução
Mas, ainda assim, procurar solucionar seus problemas.
Amar.
Amar seus filhos, sua família, seus amigos, seu clube, sua vida, 
você mesmo. 
Pois você só é capaz de amar ao próximo se amar a ti mesmo.
Ter humildade
para voltar atrás e reconhecer-se impotente,
pequeno.
Pois sempre há alguém maior
e que olha você de cima pra baixo.
Ainda que esse alguém seja sua consciência.
Desejar sempre o melhor, pois as coisas 
acabam voltando pra você, de maneira impressionante
e imutável.
Trabalhar mais.
Sempre com afinco. E em virtude da lei universal
anteriormente descrita.
Beber menos. Comer somente o necessário.
E acreditar nisso como prenúncio
de qualidade de vida.
Engolir sapos com dignidade
e ter dignidade para aprender com isso.
Dignidade. 
Usa-la para:
ser você mesmo;
reconhecer seus erros e dar a volta por cima;
não deixar que ninguém, ninguém mesmo te espezinhe;
amar;
dar;
receber;
cair;
levantar;
ajuizar;
não julgar;
trabalhar; trabalhar; trabalhar.
Amar. 
De perto ou de longe.
Sempre. 
Iniciar e/ou reiniciar
o que tem que ser feito
e finalizado.
E, sobretudo, estar pronto
mesmo sabendo que, às vezes, você não está preparado 
mas, ainda assim não tem medo,
não está só e não desistirá.
Coragem.
O que passou ensina.
O que urge, já é.

Feliz 2013.


quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Para 2012

2012 tem sido um ano difícil de se adjetivar. Pra evitar injustiças em relação a palavras, sentimentos, omissões ou exageros, compartilho um poema de Pablo Neruda que expressa em síntese esse vulcão de vivências. Sem maiores delongas.
Grato a Márcia Barreto.

É Proibido

Pablo Neruda

É proibido chorar sem aprender,
Levantar-se um dia sem saber o que fazer
Ter medo de suas lembranças.

É proibido não rir dos problemas
Não lutar pelo que se quer,
Abandonar tudo por medo,

Não transformar sonhos em realidade.
É proibido não demonstrar amor
Fazer com que alguém pague por tuas dúvidas e mau-humor.
É proibido deixar os amigos

Não tentar compreender o que viveram juntos
Chamá-los somente quando necessita deles.
É proibido não ser você mesmo diante das pessoas,
Fingir que elas não te importam,

Ser gentil só para que se lembrem de você,
Esquecer aqueles que gostam de você.
É proibido não fazer as coisas por si mesmo,
Não crer em Deus e fazer seu destino,

Ter medo da vida e de seus compromissos,
Não viver cada dia como se fosse um último suspiro.
É proibido sentir saudades de alguém sem se alegrar,

Esquecer seus olhos, seu sorriso, só porque seus caminhos se
desencontraram,
Esquecer seu passado e pagá-lo com seu presente.
É proibido não tentar compreender as pessoas,
Pensar que as vidas deles valem mais que a sua,

Não saber que cada um tem seu caminho e sua sorte.
É proibido não criar sua história,
Deixar de dar graças a Deus por sua vida,

Não ter um momento para quem necessita de você,
Não compreender que o que a vida te dá, também te tira.
É proibido não buscar a felicidade,

Não viver sua vida com uma atitude positiva,
Não pensar que podemos ser melhores,
Não sentir que sem você este mundo não seria igual.

sábado, 17 de novembro de 2012

Educação para nossos filhos - Pasteurização e hegemonização de um pensar/agir pedagógico neoliberal: o Construtivismo .


Neste segundo semestre tenho, junto com  Lili, procurado exaustivamente uma escola nova para matricular nossos filhos no próximo ano. As razões da mudança de escola são simples: o Davi ingressará o ensino fundamental, alcançando a idade limite para a escola atual; o João Pedro o acompanharia por uma questão de logística familiar indo, preferencialmente, pra mesma escola do irmão. Entretanto, por detrás disso há motivos muito mais contundentes para a troca: não aguentamos mais ser assaltados pelas instituições particulares de ensino, ser tapeados com propostas e metodologias falaciosas e também sermos ludibriosamente coniventes com a precarização de trabalhadores em detrimento ao lucro exorbitante das instituições. Então vínhamos experimentando, assim como outros pais da escola, a angústia de encontrar uma instituição que atendesse nossos anseios de uma formação humanizadora e consistente no sentido ético, filosófico, corporal e científico, e ainda possibilitando-nos o exercício de nosso trabalho de 40h semanais. A necessidade por um atendimento em instituição que ofereça educação em tempo integral é um lugar-comum na vida das famílias onde ambos os pais necessitam trabalhar.

Nessa busca, que mais seria uma contenda, diversas escolas têm sido visitadas por mim e também por outros pais/companheiros.  E uma das minhas maiores dificuldades para efetivar a matrícula em instituições de educação privada (somadas à falta de grana, obviamente) é ter que engolir a receita descrita no parágrafo anterior. Mas não somente isso: é ter que me render, sorrindo, à proposta pedagógica que norteia e embasa a educação oficial brasileira, o construtivismo. Explico-me melhor.

A psicologia genética desenvolvida pelo biólogo suíço Jean Piaget, a qual embasa radicalmente a concepção pedagógica construtivista, tem também servido como base para as políticas educacionais brasileiras desde o início do século XX, com o surgimento da Escola Nova em superação à “escola tradicional”. Sua influência perdura até os documentos oficiais recentes como os Parâmetros Curriculares Nacionais (os PCN’s), desenvolvido pelo governo FHC, e em vigência até os dias atuais. Essa teoria pedagógica desloca o conteúdo e o professor do cerne do processo ensino-aprendizagem (o que é postulado como “educação tradicional”) para o estudante e sua capacidade individual de aprender, de acordo com a etapa maturacional de seu desenvolvimento. Segundo o próprio Piaget (1994):

Em cada um desse níveis, o espírito desempenha a mesma função, isto é, incorporar o universo a si próprio; a estrutura de assimilação, no entanto, vai variar desde as formas de incorporação sucessivas da percepção e do movimento, até as operações superiores. Ora, assimilando assim os objetos, a ação e o pensamento são compelidos a se acomodarem a esses, isto é, a se reajustarem por variação de cada variação exterior pode-se chamar “adaptação” ao equilíbrio destas assimilações e acomodações. Esta é a forma geral de equilíbrio psíquico. O desenvolvimento mental aparecerá, então, em sua organização progressiva como uma adaptação sempre mais precisa à realidade. (PIAGET, 1994, pág. 17 apud DUARTE, 2000)

O importante na concepção Construtivista não é aprender ao máximo, mas potencializar a aprendizagem e continuar aprendendo após a escola. Esse raciocínio, efetivamente, acaba por transferir o cerne do processo ensino-aprendizagem para o aluno, de forma que todo o conhecimento deve ser facilitado e mediado para que seja assimilado pelo educando de acordo com sua etapa de desenvolvimento bio-psicológico, fazendo de seu desenvolvimento pessoal a engrenagem principal deste maquinário. Assim, a aprendizagem se dá em etapas maturacionais, a qual deve ser facilitada e estimulada.

Portanto, essa concepção defende que a aprendizagem é nivelada em etapas de desenvolvimento, dando ênfase a aspectos maturacionais e biológicos, fechando a teia da aprendizagem e da construção do conhecimento nos lemas  aprender a conhecer, aprender a aprender, aprender a fazer, postulados basilares da concepção pedagógica construtivista. Credito a Newton Duarte (2000) a melhor análise sobre esta falácia:

Nossa avaliação é a de que o núcleo definidor do lema “aprender a aprender” reside na desvalorização da transmissão do saber objetivo, na diluição do papel da escola em transmitir esse saber, na descaracterização do papel do professor como alguém que detém um saber a ser transmitido aos seus alunos, na própria negação do ato de ensinar. (DUARTE, 1998, apud DUARTE, 2000, pág. 8).

E continua:

O lema “aprender a aprender” é a forma alienada e esvaziada pela qual é captada, no interior do universo ideológico capitalista, a necessidade do caráter estático da educação escolar tradicional, com seu verbalismo, seu autoritarismo e seu intelectualismo. A necessidade de superação das forma unilaterais de educação é real, objetivamente criada pelo processo social, mas é preciso distinguir entre necessidade real e as forma alienadas de proposição de soluções para o problema. O lema “aprender a aprender”, ao contrário de ser um caminho para superação do problema, isto é, um caminho para formação plena dos indivíduos, é um instrumento ideológico da classe dominante para esvaziar a educação escolar destinada à maioria da população enquanto, por outro lado, são buscadas formas de aprimoramento da educação das elites (DUARTE, 2000, pág. 8)

A educação fundada na proposta construtivista se desdobra em alienação a partir do momento onde o indivíduo interage com todo o conhecimento histórico produzido pela humanidade (conduzido até ele pela escola) e com os demais seres segundo a lógica da assimilação e acomodação das informações, em detrimento da apropriação, síntese e socialização do mesmo, dentro do contexto sócio-histórico de cada indivíduo. Isto é, transformar a natureza, o ambiente e a própria sociedade na perspectiva marxista: tese-antítese-síntese; trabalho - humanização. E no universo infantil, entendo, isso implica em oferecer estímulos, informações, cultura e conteúdos contextualizados no universo do educando oferecendo-lhes oportunidade de intervenção e síntese dos mesmos, desprovidos de arestas e bitolas pré-determinadas por etapas de desenvolvimento biológico. Facci (2011) acredita que “deve-se considerar o enfoque histórico dos ritmos de desenvolvimento e o surgimento de certos períodos de acordo com o avanço histórico da humanidade” (FACCI, in MARSIGLIA, 2011, pág. 127).

Acredito que a fragilidade desta compreensão da aprendizagem e desenvolvimento humano encontra-se na naturalização e universalização do ser humano biológico, a-histórico, dessocializado e idealizado, não materializado. Isso pode sugerir que o sucesso ou o fracasso do educando é de sua própria responsabilidade, tendo em vista que, para os construtivistas, o desenvolvimento humano é universal, do Japão à Uganda, da Suíça ao Paraguai, em todos os tempos e lugares históricos, mas ignorando que Piaget “desvelou” os segredos do desenvolvimento infantil a partir de seus estudos no contexto do positivismo europeu. Também sugere que a dinâmica social da humanidade ocorre de forma natural, ou seja, a divisão da sociedade em classes privilegiadas e desprivilegiadas é normal e fruto da evolução do ser humano. Não é à toa que essa lógica representa o fundamento dos programas educacionais, não só no Brasil, mas também sugeridos pela UNESCO (Duarte, 2000). Entretanto, não fazem questão de revelar qual a direção deste projeto de educação, a qual projeto histórico de homem e de sociedade ele serve e que, de fato, ele apenas enquadrou o conhecimento científico e tecnológico a ser transmitido pela escola na perspectiva da qualidade total a partir de métodos didáticos mais suaves e interessantes. Não sou eu quem afirma isso, outros educadores e pesquisadores de elevadíssimo nível me auxiliaram nessa visualização, como os até aqui citados, acrescidos de Saviani e tantos outros da minha área, a educação física. Cito Roberto Liáo Jr, amigo, orientador de minha especialização e exemplo pessoal de cultura e engajamento político.  

Trazendo para o contexto material, cotidiano, prático, percebi que as grandes lições disponíveis para meus amados rebentos e seus amiguinhos, segundo este modelo de transmissão da cultura, conteúdo e “desenvolvimento” educacional sustentadas pelo Construtivismo são a naturalização:


· da postura de pajem dos educadores em relação a eles (e também aos pais), reflexo da insegurança e instabilidade no emprego (precarização do trabalho);
· do distanciamento dos professores e demais trabalhadores do cotidiano escolar em relação a eles e sua família, reflexo da precarização e hierarquização das condições de trabalho;
· do aprisionamento dos saberes e da cultura infantil à cultura do consumismo e do trabalho hierarquizado, reflexo da formação inicial e continuada precárias e com viés construtivista dos educadores;
· da ingerência de fatores extra-classe no trabalho pedagógico, como reflexo da hierarquização e da lógica de gestão empresarial nas instituições particulares de ensino;
·  da fragmentação e descontinuidade do trabalho pedagógico, como decorrência da terceirização de atividades de ensino como oficinas esportivas, de línguas, de artes, etc.
· da sobrepujança de profissionais de áreas afetas à educação como psicólogos e administradores na gestão de assuntos pedagógicos;
· da naturalização da sociedade de classes, como decorrência da relação estabelecida no contexto: consumidor (do serviço educacional) – prestador (do serviço educacional).

Isso para meus filhos (e certamente para outras crianças também),  implica em dificuldade de situarem-se como filhos da classe trabalhadora, a qual esforça-se de maneira sobre-humana para que aquele espaço e oportunidade sejam lhes sejam garantidos. Assevero, há aqueles que efetivamente são filhos da classe trabalhadora. Mas, em instituições de ensino privadas, hão também aqueles que queiram distanciar-se de uma possível educação popular, querendo garantir uma “educação privilegiada”, a respeito do método, da estrutura e ao contexto social. 

A despeito dessa conjetura burguesa decidimos, finalmente, efetuar a matrícula de nossos filhos no escola pública, cuja proposta pedagógica encontra-se à sombra de uma pedagogia histórica e crítica (perífrase minha...), vislumbrando uma maior possibilidade de diversidade humana sem o viés capitalista, um maior controle social na intervenção da escola (consequentemente da sociedade ) em nossos filhos, e, principalmente, no real posicionamento dessas duas crianças em seu contexto socioeconômico, despertando, quem sabe, uma consciência revolucionária em relação à história de sua família, de sua sociedade, e de suas possibilidades profissionais e humanitárias. Isso é o meu desejo, parafraseando Gadotti (2003), a todas crianças da humanidade. Pois amo meus filhos a como todas as crianças da humanidade.

Referências que auxiliaram a construção deste post:

MARSIGLIA, Ana Carolina Galvão (org.). Pedagogia histórico-crítica: 30 anos. Campinas, SP: Autores Associados, 2011.

FACCI, Marilda Gonçalves Dias. A crítica às pedagogias do "aprender a aprender": a naturalização do desenvolvimento humano e a influência do construtivismo na educação in Pedagogia histórico-crítica: 30 anos. Ana Carolina Galvão Marsiglia (org.) - Campinas, SP: Autores Associados, 2011.

DUARTE, Newton. Vigotski e o "aprender a aprender": crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. 2ª ed., Campinas, Autores Associados, 2001.

CENEC. http://www.cnec.br/site2/php/educ_basica.php. Acesso na mesma data da postagem.

GADOTTI, Mocir. A dialética do amor paterno. 6ª ed. São Paulo, Cortez, 2003.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Pela valorização do trabalho e dos trabalhadores do Atendimento Educacional Especializado Complementar


No ano de 2012 tenho tido a oportunidade de trabalhar no atendimento educacional especializado complementar em educação física na SEDF, o qual

Realiza o apoio à inclusão escolar. Como um centro de referência, privilegiado por saberes e práticas na educação de alunos com necessidades especiais, deverá oferecer o apoio educacional especializado tanto para o aluno como para a instituição educacional e para a família. Conforme a oferta de vagas para os atendimentos complementares de cada Centro, os alunos incluídos em classes comuns ou classes especiais que necessitarem desses serviços especializados poderão ser encaminhados. Os Centros também realizarão apoio à comunidade escolar por meio de atividades pedagógicas de trocas de experiências com os professores da instituição educacional comum e promoverão a oferta de curso de capacitação nas suas áreas de atendimento, em articulação com a Escola de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação (EAPE), na carga de complementação do professor, no turno contrário ao de regência. Os alunos, conforme suas necessidades, serão atendidos nas seguintes atividades: Educação Física Adaptada, Atendimento em Salas de Ambiente Temático; Oficinas Pedagógicas Profissionalizantes e Encaminhamentos para outros serviços complementares. (DIRETRIZES PEDAGÓGICAS SEDF 2009/2013, 2008, pág. 75. Grifo meu.)

Nessa proposta de atendimento os estudantes com algum tipo de deficiência matriculados em unidades de ensino regular da rede pública do Distrito Federal complementam sua educação através de atividades de artes, educação física, oficinas profissionalizantes ou outros atendimentos educacionais que reforcem sua inclusão educacional e biopsicosocial. Nos atendimentos de educação física alguns desses educandos têm o privilégio de usufruir de espaços de boa qualidade nas aulas de natação e equitação, o que coloca o DF na vanguarda desse tipo de atendimento especializado.

Os professores que atuam nesta modalidade especializada de ensino não usufruem da Jornada Ampliada, modo de organização do trabalho escolar conquistado há mais de uma década através de mobilização histórica de nossa categoria, o qual garante aos professores com jornada de 40h semanais, 25h de atuação semanal em atividade de regência de classe e 15h semanais em coordenação pedagógica. Uma das justificativas principais dessa proposta de organização do trabalho pedagógico foi propiciar aos docentes maior oportunidade para formação continuada, pois passaria a contar com esse tempo/espaço para elaborar estratégias pedagógicas individuais e coletivas (junto a seus pares da escola ou área de atuação), o que sobremaneira, enriqueceria o trabalho pedagógico e o atendimento aos alunos matriculados na rede de ensino pública do DF. 

Alencastro e Silva, 2010 (apud Cerqueira, 2010), julgam que a coordenação pedagógica é um espaço privilegiado de formação continuada e desenvolvimento profissional docente, o qual justifica a participação destes profissionais neste modelo de distribuição de carga horária de trabalho. Entretanto, os professores e professoras do atendimento complementar especializado têm tido nos últimos anos sua carga horária de trabalho estipulada oficialmente, através de portarias, segundo o antigo regime de trabalho da SEDF, qual seja, a carga horária de 20h-20h, onde trabalham com atividade de regência de classe nos turnos matutino e vespertino. Isso representa não apenas um contrassenso, mas também um retrocesso. Vejamos.

O recém-lançado Projeto Político Pedagógico Professor Carlos Mota, concebido através de seminários, plenárias, palestras, conferências e fóruns anuncia, em tese, a importância da participação e construção coletiva do fazer/saber escolar no sentido da "formação humana em suas múltiplas dimensões" (PPP Professor Carlos Mota, SEDF, 2012, pág.20). Ele versa:

A SEDF entende que a educação deve ser referenciada pela formação integral do ser humano. Em outras palavras, a educação deve contemplar as diversas dimensões que formam o humano, não apenas os aspectos cognitivos. Deve reconhecer que, como sujeitos de direitos e deveres, é imprescindível que se oportunize aos estudantes o despertar de outras dimensões, entre elas: a ética, a artística, a física, a estética e suas inter-relações com a construção social, mental, ambiental e integral do desenvolvimento humano. (PPP Professor Carlos Mota, SEDF, 2012, pág.20)
  
Segundo sua proposta, 
A educação, nesse sentido, deve reconhecer práticas dialógicas entre os sujeitos para o respeito aos direitos e à dignidade humana, de forma que, participativa e democraticamente, se tenha a garantia da cidadania ativa. (idem, ibidem, pág.21)

O PPP Carlos Mota também sublinha a importância fundamental da coordenação pedagógica:

Considerada estratégica para o alcance das metas de qualidade social do ensino, a formação continuada dos trabalhadores da educação conta com espaços próprios: a coordenação pedagógica nos níveis local, intermediário e central e a Escola de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação (EAPE). (idem, ibidem, págs. 108/9)

E reitera:
Assim, a coordenação pedagógica tem centralidade na Gestão Democrática, por ser um espaço/tempo fundamental para a construção do diálogo entre a escola e a comunidade. Essa construção será facilitada se entendermos que a coordenação não é exclusividade de professores e coordenadores, pois a participação da equipe gestora e de todos os profissionais da educação é imprescindível para a efetivação do trabalho.  A equipe de direção, o coordenador,  os  professores e funcionários da Carreira Assistência  são os atores capazes de estabelecer a interlocução entre a escola e a comunidade no que se refere ao trabalho desenvolvido pela unidade escolar. (idem, ibidem, págs. 112/3)

Portanto, coaduna-se com a lógica deste amplo grupo de estudos que concebeu, discutiu e concretizou este Projeto Político Pedagógico, a ideia de que os docentes desta e de todas as modalidades de ensino estejam inseridos no sistema de Jornada Ampliada, o qual possibilita a participação efetiva dos professores e professoras, entes privilegiados deste processo de construção coletiva, na coordenação pedagógica. No regime 20h-20h, os trabalhadores e trabalhadoras docentes têm se alienado da maioria dos momentos e espaços de coordenação pedagógica coletiva e/ou junto aos seus pares. Como conseqüência: 

- isolam-se em sua prática pedagógica cotidiana ao tempo em que os demais professores estão nas coordenações gerais ou por área de conhecimento, em ambos os turnos;
- as grades horárias de atendimento tendem a ficar difusas, pois há forte tendência de descontinuidade nos atendimentos às segundas, quartas e sextas-feiras, já que em algum destes dias eles estarão em coordenação individual ou coletiva;
- aumentam a possibilidade de atendimentos semanais únicos a algumas crianças, acarretando ainda uma possível falta de vagas a crianças potenciais usuárias deste atendimento, já que abrem-se apenas de 5 (atendimentos individuais) a 15 (atendimentos coletivos, 3 crianças por turma - caso haja possibilidade funcional para agrupamento) atendimentos em aulas duplas/ semana, às terças e quintas-feiras.
- os atendimentos duplos em dias descontínuos (segundas e quintas-feiras, terças e quartas-feiras, etc.) geram lacunas na grade dos professores, prejudicando os demais potenciais beneficiários do atendimento complementar.
- sua participação no processo de concepção e construção dos eventos da comunidade escolar fica dificultada, pois atua na "periferia" do ambiente escolar enquanto os demais trabalhadores da instituição têm seus momentos de encontros pedagógicos ou trabalho em sala de aula convergentes.

É de eminente justeza o reconhecimento do PPP Carlos Mota como uma proposta visionária, posto exaltar em seus propósitos ações nobres e urgentes para a superação de situações-problemas em nosso contexto social contemporâneo como analfabetismo, evasão e retenção escolar, respeito à diversidade e direitos humanos, consolidação da gestão democrática e outras políticas públicas intersetoriais com estes objetivos. Contudo, é de eminente justiça o reconhecimento do atendimento educacional complementar como de alta complexidade científica, social e de grande importância histórica no processo de humanização de seus sujeitos-educandos e suas famílias, não devendo ser conotado como atendimento técnico, específico e pontual, mas sim como componente de toda uma malha social construída, operada e respaldada coletivamente. A participação de seus professores/professoras na coordenação pedagógica em regime de Jornada Ampliada é urgente neste caminho. Destarte, somado a todo o exposto, justifica-se o grifo que realizei logo na primeira citação. 

Acredito ser de suma importância a revisão, já para o próximo ano letivo, desta forma anacrônica e excludente de pensar o trabalho pedagógico e o regime de distribuição da carga horária de trabalho no contexto do atendimento educacional especializado complementar. Jornada ampliada já!

Referências que auxiliaram na construção desse post:

Diretrizes Pedagógicas. Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. 2009-2013. Brasília, 2008.
Regimento Escolar das Instituições Educacionais da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal. 5ª ed. Brasília, 2009.
Regimento Interno da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. 1ª ed. Brasília, 2009.
Projeto Político-Pedagógico Professor Carlos Mota. SEDF, Brasília, 2012.
Portaria nº 27 de 01 de fevereiro de 2008. SEDF.
Portaria nº 74 de 29 de janeiro de 2009. SEDF.
Portaria nº 04 de 21 de janeiro de 2010. SEDF.
Portaria nº 06 de 03 de fevereiro de 2011. SEDF.
Portaria nº 27 de 02 de fevereiro de 2012. SEDF
Estratégia de Matrículas 2012. Portaria nº 182 de 21/12/2011. SEDF.
A escola mudou, que mude a formação de professores! Veiga, Ilma Passos Alencastro e Silva, Edileuza Fernandes da. Campinas, Papirus, 2010. Resenha de Aquiles Santos Cerqueira. disponível em http://seer.bce.unb.br/index.php/linhascriticas/article/viewFile/3039/2637)
www.sinprodf.org.br
www.se.df.gov.br

sábado, 1 de setembro de 2012

Almécegas após um ano

Esta postagem traz à memória um ano da inauguração deste blog. Ela ainda permanece lá soberana, incólume, inspiradora. Mesmo sem que presencialmente tenha estado por lá, em pensamento fora frequentada por mim algumas vezes. No decorrer desta volta completa do sol em torno da Terra,   encontro-o no céu mais uma vez no mesmo ponto de onde deixei-o quando submeti aquela postagem, que tanto dizia sobre mim naquele momento, um ancoradouro naquele oceano de devaneios. Aquilo que precisava ser dito naquele momento. E durante todo este período outras coisas foram ditas que expressavam um oceano de devaneios e sentimentos. Me admiro, neste momento em que faço uma ligeira reflexão histórica, do quanto se pode viver em um ano... Reler sentimentos que foram registrados pelas palavras talvez seja ainda mais precioso do que apenas ver registros em fotografias ou vídeos, pois o autor revive a expressão íntima daquilo que foi vivido, apreendido e sintetizado através de  seus argumentos e registros. O mais profundo sentimento. Como diz meu filho João: uau.....!!! 

Que viagem. Ao reviver os sentimentos e situações que me impulsionaram a escrever no blog, hoje acredito que a proposta inicial deste instrumento de comunicação condiz com aquilo que fora planejado inicialmente. Não com a freqüência que gostaria, nem o volume de publicações que julgo ideal, mas, como em tudo na vida, a gente vai se acertando e adaptando. Lancei-me como um aventureiro no mundo das publicações virtuais procurando um espaço onde pudesse me expressar e compartilhar meus pensamentos, alguns deles bobagens cotidianas, outros mais refinados, que acabaram tornando-se crônicas. O mundo sob o ponto de vista da janela de m'inhalma e de meus sentidos. Aprendi neste ano o quanto é rico o universo blogueiro, quanta formação e informação há disponível neste universo e, mesmo insignificante neste mundo, hoje sinto-me como um pequeno fio nesta imensa teia de cultura onde há muito a ser dito e compartilhado por pessoas que têm algo concreto, útil e salutar a dizer. Os quase 2.200 acessos registrados por este blog até a data de hoje quer dizer que algumas pessoas diariamente querem compartilhar algo de minha autoria. Isso me alegra e incentiva. Tenho muito a agradecer a todos os leitores e leitoras por isso.

Escrever no blog obrigou inserir-me no mundo virtual com mais afinco, uma mudança de paradigma tendo em vista que nunca fui afeto às ferramentas do mundo da internet exceto e-mail e busca de informações pontuais. Fora preciso me informar e compartilhar informações, ou seja, o engrandecimento pessoal é decorrência inequívoca dessa jornada. Em contrapartida, minha inserção no mundo blogueiro afastou-me de redes sociais como Facebook (ler o cabeçalho do Blog). Acredito que certamente há muita coisa positiva e compartilhamento construtivo nessa rede além do marketing empresarial, amizades postiças, perda de tempo em horário de trabalho e filosofia da futilidade. Contudo, percebo que as empresas de comunicação e mídia se apropriaram deste instrumento como ferramenta de geração de receita, ludibriando as pessoas usuárias que estão conectadas somente para fazer amizade e trocar informações. Elas estão de fato movimentando o processo de consolidação da falácia basilar do sistema capitalista: torne-se humano consumindo. Os bárbaros do novo mundo são aqueles que não possuem o Facebook. Talvez ele seja a cereja do bolo do processo de globalização. Quer dizer, os alienados que repartam a cereja, pois o bolo não é deles.

De fato, jamais terei o direito de desrespeitar ou ajuizar qualquer usuário desta ferramenta virtual. Apenas não posso coadunar com qualquer matéria que ludibria, aliena, expropria o sujeito na forma em que suas relações são mediadas por um instrumento de consumo, o qual se resume na efemeridade das relações e dos juízos: curtir. Em síntese: consumir. Instrumentos que educam para o consumismo podem distanciar as pessoas das outras, contraditoriamente ao anunciado no rótulo do produto Facebook, na medida que se distancia de si mesma, de seu trabalho, de sua vida para estar conectada ao produto que vai consumir. Ela  desumaniza-se porque o produto de sua intervenção no Facebook, seja curtir, adicionar, agrupar-se ou postar dilui-se, não pertence a ela nem a nenhum outro usuário, mas ao Facebook. O princípio radical da alienação marxiana.

Enfim, esta é apenas a minha impressão, que não visa, repito, denegrir, subjugar, pormenorizar qualquer dos 800 e tantos milhões de usuários. Apenas não tenho paciência para tantas bobagens que não acrescentam nada ao meu ser e tampouco quero fazer publicidade de nada. Apenas isso. Mas, como sempre, o errado deve ser eu.

Enfim, me sinto pleno com a possibilidade de expor meus sentimentos e impressões no decorrer deste ano. De volta ao refúgio da sala de aula, desempenhando o nobre exercício do magistério na educação especial, e sempre com os calos apertando em relação à vida militante, ou seja, sem minuciar equívocos e desacertos daqueles que elegemos, onde ocasionalmente estivemos juntos ou distantes, mas procurando preservar o preceito básico do respeito. Pacificado, mas não inerte, o acúmulo conquistado durante esta curta jornada que se iniciou há um ano ensinou que o tempo é o senhor do destino, e a história, seu relator. Válido para o trabalho, a política, o cotidiano, o amor, a vida. 

Resta agradecer aqueles tantos que fortaleceram direta ou indiretamente ao compartilharem suas reflexões na rede mundial, alimentando este blog e este autor. Obrigado ao leitor e à leitora que me incentivam a escrever, compartilhar mídias e, principalmente, refletir.  

Algumas referências que enriqueceram a construção deste post:

Chauí, Marilena. Discurso por ocasião do lançamento da Campanha Nacional pela Democratização da Comunicação.  disponível em http://www.conversaafiada.com.br/pig/2012/08/31/chaui-pig-produz-culpas-e-condena-sumariamente/ Acesso em 31/08/2012

Saviani, Demerval e Duarte, Newton (orgs.) Pedagogia histórico crítica e luta de classes na educação escolar - Campinas, SP: Autores Associados, 2012.

A maldição da obsolescência! Disponível em http://sweetrockandnroll.blogspot.com.br/2012/08/o-consumismo-e-uma-compulsao-que-leva-o.html. Acesso em 23/08/2012

Consumismo: o maior sabotador da nossa felicidade. disponível em http://sweetrockandnroll.blogspot.com.br/2012/08/o-consumismo-e-uma-compulsao-que-leva-o.html. Acesso em 23/08/2012

Facebook - A ferramenta Illuminati. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=XLIbEsWqbZ4&feature=g-hist. Acesso em 31/08/2012

Meios de comunicação social. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%ADdia. Acesso em 31/08/2012.

domingo, 19 de agosto de 2012

Carta das Tradições Culturais e da Educação Física Contra a Ingerência do CONFEF

Abaixo é reproduzida a Carta das Tradições Culturais e da Educação Física  elaborada por ocasião do lançamento do livro "Dez anos na luta pela regulamentação do trabalho" do MNCR (Movimento Nacional Contra a Regulamentação do Profissional de Educação Física), versando contra os desmandos e incongruências do sistema CONFEF/CREF. O MNCR é uma organização sólida, constituída por professores, estudantes e cientistas de educação física e outras áreas que consideram "a regulamentação da profissão (de educação física e de de outras áreas também) baseada no corporativismo, que posiciona trabalhadores e trabalhadoras da Educação Física contra os de outras áreas, o que aprofunda a fragmentação da classe trabalhadora na atualidade."

O documento afirma sua veemente contrariedade à ingerência dos Conselhos Profissionais de Educação Física – CONFEF e CREF – no âmbito da educação física e esporte escolar, nas tradições culturais representadas nas danças, na capoeira, no yoga e nas artes marciais. O Movimento é organizado em diversas regiões do Brasil, e o livro acima foi lançado pelo núcleo Curitiba. Sua luta é uma importante ferramenta no sentido de desmascarar a arbitrariedade a que os trabalhadores e trabalhadoras, estudantes e, especialmente professores e professoras da educação física sofrem em Brasília e no Brasil pela ingerência do Sistema CONFEF/CREF na formação e no exercício de seu trabalho, fragmentando seus entes, cooptando segmentos do mercado, ludibriando o poder e a opinião pública com vistas a manutenção de seus interesses sectários e corporativistas. Já denunciei em outros momentos a aproximação de representantes deste segmento junto aos professores da SEDF e do SINPRO-DF (Notícias do Front -versão pessoal, de 27/03/12) e da tentativa de cooptação de trabalhadores da educação física no DF para filiação a entidade sindical lacaia (The show must go on, de 16/05/12). 

Reafirmo a necessidade de atenção aos interesses desta entidade, assim como ao discurso daqueles que se julgam ou denominam seus representantes. Aproveito para ressaltar aquilo que sempre pensei: quem acredita não ter opinião, na verdade, já está com ela formada por aqueles que detêm o pensamento hegemônico. Vale a pena buscar um esclarecimento maior nos endereços:

http://mncref.sites.uol.com.br/index2.htm

Abaixo, a carta.

CARTA DAS TRADIÇÕES CULTURAIS E DA EDUCAÇÃO FÍSICA CONTRA A INGERÊNCIA DO CONFEF

Reunidos na Sede Estadual da APP-Sindicato por ocasião do evento de lançamento do livro “MNCR: 10 anos na luta pela regulamentação do trabalho", as entidades e movimentos sociais abaixo assinados vêm por meio desta carta manifestar Profissionais de Educação Física – CONFEF e CREF – no âmbito da educação física e esporte escolar, nas tradições culturais representadas nas danças, na capoeira, no yoga e nas artes marciais.

Consideramos para o posicionamento que:

1) A regulamentação da profissão de Educação Física é projeto retrogrado e conservador. É baseada em teses corporativistas, que posicionam trabalhadores e trabalhadoras da Educação Física contra os de outras áreas, o que aprofunda a fragmentação da classe trabalhadora na atualidade.

2) No estado do Paraná, os processos judiciais seguem os diversos pareceres nacionais e indicam a não necessidade de registro em conselho para o exercício profissional no magistério. Esses processos têm origem na fiscalização policialesca por parte do Conselho Regional de Educação Física do Paraná (CREF) às escolas da rede pública, o que gerou resposta política e jurídica imediata por parte da APP-Sindicato em favor dos trabalhadores. O TRF julgou em caráter definitivo a não obrigatoriedade, assim como exigiu a devolução dos valores recolhidos por meio de coação.

3) As tradições culturais expressas nas danças, na capoeira, nas artes marciais, no yoga, no pilates e outras, possuem códigos formativos próprios, legitimados cultural e socialmente. Não se configuram como objeto de estudo e intervenção exclusiva do profissional de Educação Física, como afirmam as regulações dos conselhos profissionais. Há projeto de lei em trâmite atualmente na Câmara Federal – de autoria de Alice Portugal – que reivindica alteração na legislação que regulamenta o profissional de Educação Física retirando definitivamente as tradições culturais do suposto campo de exclusividade.

4) Os estudantes de Educação Física, historicamente levantaram-se contra a regulamentação da profissão e repudiam amplamente as ações dos conselhos profissionais que ao fundar uma nova confederação estudantil buscam fragmentar também a luta dos estudantes.

5) Os profissionais de Educação Física atuantes em áreas não escolares – clubes, academias e outros espaços – por vezes vivenciam o trabalho desprotegido e não observam mais nos conselhos regionais e federal uma proposta de melhoria de suas condições pois em mais de uma década de existência mal podem reconhecer avanços na área. Além disso, os fragmentários sindicatos de profissionais de Educação Física – fundados notadamente por membros dos Conselhos de Educação Física – hoje não possuem qualquer atuação além de se configurarem como braço de apoio das práticas dos conselhos que pouco ecoam positivamente na realidade do trabalho.

Tendo essas afirmações em acordo, assinam essa carta as entidades, movimentos sociais e indivíduos abaixo.

Curitiba, 10 de agosto de 2012.

sábado, 28 de julho de 2012

Notas Olímpicas (versão pessoal)


O melhor deste Jogos Olímpicos é ver os jornalistas da Globo desconcertados e com cara de banana ao anunciar timidamente os resultados da delegação brasileira. Apesar de a Rede Record, emissora detentora dos direitos de transmissão dos Jogos para o Brasil ter lucrado horrores ao negociar a retransmissão pelo canal Sportv, canal esportivo pago pertencente às Organizações Globo, conjeturo em meus pensamentos como o povão recebe um produto de consumo (o esporte televisivo) sem a chancela da marca Globo; sem seu editorial jornalístico cretino e abobado; sem sua condução jornalística direcionada para a alienação; e, principalmente, livre dos comentários anti-pedagógicos e imbecis do Galvão Bueno. 

Não estou afirmando que a emissora Record é o antídoto disso tudo, é idônea, honesta, pedagógica, perfeita, etc, tendo em vista que reconheço que a linha de condução jornalística brasileira foi fundada pela Globo e no geral, com algumas ressalvas, segue o mesmo padrão. Apenas brinco imaginando meus avós, caso estivessem vivos, em uma roda de conversa diante da televisão:

- Mas e o Galvão Bueno, hein?
- Parece que está de férias. A Fátima Bernardes que era boa...
-Mas essa daí, a... como é o nome dela?.... Ana Paula Padrão!... Não é a mesma coisa?
-Ah, não é não...! Esse nem é o marido dela...! Melhor quando apresentava o "Globo Repórter".
-Gol do Brasil! Gol do Neymar!
-Mas ele narra igualzinho o Galvão, não?
-Onde é que ele está mesmo? De férias?...
E por aí vai...

Toda uma geração que construiu sua rotina de vida, seu modus vivendis atrelado à rotina da TV Globo - tomar café com o Bom Dia Brasil, almoçar com o Globo Esporte, jantar com o DFTV, sentar com a família e a novela das oito, fazer amor e dormir com o Jornal da Globo - caso esteja interessada nas Olimpíadas, deve estar achando muito esquisito. Isso foi definitivamente afrontado na cultura e na rotina brasileira. Sinal dos tempos. Minha esperança é que em pouco tempo teremos diminuída a quantidade de jovens educados pelo Galvão Bueno. Imagino que a conseqüência disso nas escolas serão jovens praticando a educação física escolar de forma mais liberta, mais diversificada (principalmente em relação ao futebol) e mais honestos, pois o Galvão os ensinou durante gerações a serem ufanistas, malandros, revanchistas, perversos com seus adversários e a odiar argentinos. Por que? Ainda não descobri.

Outra conseqüência possível serão futuros velhos com outros modus vivendis desvinculados ao sugerido pela TV Globo. Ou qualquer TV. Eu, mesmo com visão que tenho sobre Olimpíadas e seus "senhores dos anéis" (confira o link), ainda me dou o direito de consumir e até emocionar com o esforço dos meus compatriotas proletários do esporte que suam sangue para carregar essa bandeira tão maculada por outros compatriotas menos dignos. Nem é preciso citar nomes, certamente meia dúzia já vieram à cabeça do leitor... Provoco: não vale pensar em político!

Sobre o Engenhão


Sou favorável a que seu nome mude para Estádio do Trabalhador, ou Estádio do Povo, pois todos sabemos, ou ainda procuramos saber, do arroubo de verba pública e superfaturamento ocorrido para sua construção, com seu posterior arrendamento, ou seja, geração de renda para a iniciativa privada. Em nosso país estamos acostumados a nos calar diante do batismo de obras públicas com nomes de personagens nefastos de nossa história, sem que o interesse a história popular sejam ressaltadas. Alguém com o mínimo esclarecimento tinha convicção da idoneidade do sr. João Havelange, 24 anos à frente da FIFA e sogro e padrinho político de Ricardo Teixeira? Será que temos o direito de reclamar apenas agora que ficou comprovado que ele é ladrão? Está na hora de homenagearmos nossa própria história. Dizem que, de fato, o estádio e outras obras do Pan 2007 (assim como das Olimpíadas 2016) foram (ou serão) construídos com o dinheiro do FGTS, ou seja, do trabalhador. Que se apure a verdade.

Reconheço o personagem João Saldanha como relevante na história do futebol brasileiro, mas me posiciono desfavorável a esta homenagem para o nome deste estádio. Este é um monumento público, porém a utilização deste nome parece-me fomentada por grupos que desejam homenagear não um nome do esporte nacional, mas sim um nome que diz respeito à história de seu arrendatário, o Botafogo. Mais uma vez a população e o trabalhador brasileiro sendo desprestigiados.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Cultura corporal protelada

A manifestação reproduzida a seguir é do irmão e companheiro professor Jordânio Lúcio Vital, o qual denuncia a protelação de uma manifestação corporal histórica e culturalmente estabelecida, o atletismo, dos Jogos Escolares Regionais da Coordenação Regional de Ensino de Taguatinga. Argumenta o companheiro que, em reunião promovida pela Coordenação Regional, alegou-se contenção de despesas, falta de profissionais para conceder o staff necessário e, pasmem, a baixa qualificação de alunos de escolas públicas em edições anteriores.

É de contundente estranhamento para mim que o discurso oficial do estado em relação aos Jogos Escolares, que representam a culminância de um processo de educação corporal, socialização e democratização do esporte escolar, desemboque na lógica neoliberal e reacionária de gestão e fomento do esporte escolar, alinhavado à performance e viabilidade econômica. Os Jogos representam, para quase totalidade dos estudantes de escolas públicas, a única possibilidade de participação em um evento deste porte. Ainda mais em Taguatinga, onde o atletismo representa uma manifestação popular de atividades corporais, sempre culminando no surgimento de atletas de renome local e nacional. Acredito que os eventos esportivos escolares, entre eles festivais, gincanas, torneios, jogos, constituem-se oportunidade para a educação física escolar de firmar-se como elemento primário de educação para a emancipação, formação crítica, cidadania e democracia dos atores de uma instituição de ensino.

Qualquer evento que envolva manifestações da cultura corporal em uma escola é rico pois requer ações que concernem a sua concepção, organização, execução e avaliação. É comum que tais ações recaiam sobre os atores legitimados socialmente para responderem pelo assunto: os professores e coordenadores de EF (na escola), as Coordenações Regionais de Ensino (nas cidades) e a Coordenação de Educação Física (no DF). Compreendo, entretanto, que na perspectiva de educação e formação situadas acima, todos os agentes e personagens partícipes do evento podem e devem compor todo o processo, respeitando-se o pressuposto democrático de representatividade e elegibilidade; mesmo que os estudantes e a comunidade não estejam presentes nas reuniões em instâncias mais burocráticas (Regional de ensino, diretoria de EF), que seus interesses e contribuições estejam representados por aqueles que os representam nessas instâncias, e assim sucessivamente. Todavia, acredito ser fundamental suas participações nas instâncias locais (escolas), em todas as etapas e funções na organização desses eventos. 

Desta maneira, o evento que se denomina Jogos Escolares de uma cidade qualquer deva andar paralelo com aquilo que se preza como ensino de educação física, atualmente no DF inserida no turno escolar pela compreensão histórica de que a educação física é matéria fundamental na formação integral do educando, e por isso tem o direito e o dever de participar da coordenação pedagógica da escola, dos conselhos de classe, das formações continuadas e das avaliações pedagógicas em toda rede de ensino. Pensar a prática da educação física escolar de forma sectária, alienada do cotidiano escolar é anacrônico ao caminhar da educação que enxerga o ser humano liberto, emancipado e consciente de seu papel social. É fragmentá-lo.

O debate permanente em formações, fóruns, encontros, seminários, é fundamental para que se desenvolva esta consciência em todos os agentes partícipes deste processo de desenvolvimento da consciência coletiva sobre o esporte na escola, seu ensino e reprodução no ambiente escolar e a atuação dos entes deste e neste processo. Isso é o princípio democrático alijado da concepção burguesa, para o qual a democracia representa um instrumento de sustentação de seus interesses através da força (a maioria pelo voto) e coação (campanha para obtenção do voto). Isso é mais usual do que imaginamos. Quando nos damos conta, estamos votando até mesmo para definir qual marca de café beberemos em nossas coordenações... Ou ainda coisas mais sérias como, por exemplo, se nossa escola deve aderir ou não à greve já deflagrada.

A verticalização de decisões ou projeções a qual estamos historicamente habituados, muitos até mesmo acomodados, é perigosa. A culminância disso é a reprodução de valores e preceitos que negamos no âmbito teórico, intelectual, acadêmico, mas evidenciamos em ações cotidianas irrefletidas e automáticas. Negar uma manifestação corporal em um evento através de argumentos econômicos é uma enorme contradição àquilo que se preza, ou acredita-se, em relação ao currículo de educação física escolar da SEDF. Em tempo, há muito que o modelo dos JEDF acaba priorizando aquelas escolas que são citius, fortius e altius (conforme coloca nosso companheiro) do ponto de vista da estrutura econômica, do rendimento acadêmico e, no meu entendimento, da organização pedagógica para a educação física em suas instituições. 

O projeto político-pedagógico que priorize a performance é legítimo, digo, posto vivermos em uma sociedade plural, mas não compatível in verbis com a realidade do ensino público. A educação pública como um todo, especialmente a educação física que é recheada de representações sociais favoráveis à manutenção da ordem burguesa, deve atender aos anseios da classe trabalhadora, na vertente da superação dessas contradições. A elaboração colegiada e democrática de eventos escolares ligados à cultura corporal é instrumento sólido e eficaz para tal caminho. Livre, o quanto possível, de verticalizações e arbitrariedades de concepções irrefletidas ou mal concebidas.

Abaixo, o manifesto.



MANIFESTO
Prezados companheiros da GREBT e EDUCAÇÃO FÍSICA em geral,
Diante das informações obtidas, no encontro do dia 25/06/12 no Seminário de Educação Física, a respeito dos Jogos Escolares da CRE–TAGUATINGA, venho manifestar minha indignação pela preterição do Atletismo na edição deste ano dos referidos jogos.
A discordância não tem apoio maior em minhas próprias aspirações ou da escola em que leciono, muito menos no interesse de alunos em particular. Manifesto-me em prol do esporte como um todo que tem o Atletismo como pedra fundamental. Ele é a manifestação das habilidades naturais e primevas do ser humano, quais sejam, correr, saltar e arremessar, das quais derivam tantas outras modalidades. É o iniciador das comparações entre os seres que deu origem às competições. É inconcebível, portanto, que a modalidade seja desconsiderada em qualquer edição de jogos escolares.
Justo no dia da palestra do professor André Mariano, eu recebo a justificativa inconvincente de que a organização dos jogos prescindiu da modalidade atletismo por três motivos: contenção de gastos, falta de professor de CID na modalidade e por histórico de participação das escolas públicas pouco abrangente nas últimas edições. O que diria o palestrante convidado pela GREBT, que tanto falou da iniciativa na área da Educação Física, a respeito da exclusão do Atletismo?
Em primeiro lugar, é certo que as restrições orçamentárias são pontuais para este setor da educação, no entanto em nossa formação todos aprendemos a lidar com esse infortúnio e a criar alternativas para driblá-la. Segundo, a falta de professor específico não pode justificar a exclusão, o Atletismo é matéria obrigatória e todos nós graduados na disciplina temos a noção de organização de jogos de maneira geral, além do mais nas edições anteriores os professores de CID de outras modalidades também ajudaram na arbitragem e organização da modalidade. Por último, o fato histórico de pouca participação das escolas públicas nos jogos de atletismo, não pode justificar de maneira alguma a contestada exclusão do mais democrático dos esportes.
Para ser breve, concluo o manifesto posicionando-me detalhadamente a respeito do último ponto tratado no parágrafo acima, deixando alternativas para solucionar o viés.
Com efeito, pelo que pude observar nas edições anteriores dos jogos desta regional (agora coordenação), na modalidade atletismo, disputadas na UCB-Taguatinga, a participação de escolas públicas é resumida. No entanto, fechar as portas não me parece a maneira mais coerente de lidar com a situação. Pelo fato de lecionar em uma escola de zona rural, distante 30 Km do centro de Taguatinga, percebi no atletismo a melhor forma de trazer alunos a participarem de alguma modalidade de competição. Por ser a competição realizada em um único dia para cada categoria e resumida a 3 dias ao todo, as dificuldades de locomoção foram facilmente superadas e, há 3 anos a Escola Boa Esperança trás alunos para simplesmente ‘correr, saltar e arremessar’. O exemplo e as facilidades de participação nesta modalidade devem ser expostos tanto para os professores da área quanto para seus diretores. A divulgação do Atletismo nos Jogos Escolares de Taguatinga precisa ser feita junto com as facilidades e conveniências que lhe são pertinentes. Iniciativa e propaganda!!!
Por acreditar naquilo que escrevo e por acreditar na capacidade de superação de obstáculos que nós os professores de Educação Física temos, espero que o manifesto seja eficaz ainda este ano de 2012 (ano olímpico) e que nós possamos celebrar mais uma vez o histórico lema citius, fortius e altius com nossos alunos.
 JORDÂNIO LÚCIO DE CASTRO VITAL
Professor - Educação Física
Lotado na Escola Classe Boa Esperança – CRET-TAGUATINGA

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Rio mais 20 - O que penso



O vídeo acima representa meu sentimento em relação à essa conferência. Em resumo: pros infernos com esse papinho de desenvolvimento sustentável. Desenvolvimento, ou seja, incremento da economia, é sinônimo de degradação ambiental. Matematicamente: aumento da indústria (qualquer que seja) - necessidade de energia; aumento de consumo - necessidade de energia; crescimento econômico - necessidade de energia; necessidade de energia (qualquer que seja) - degradação ambiental. 
Esse encontro me parece o chá das 5 de um grupo de megacorporações e da ONU, aproveitando-se da boa vontade, aliada à uma certa dose de ingenuidade, de cientistas, técnicos, militantes e oportunistas vinculados às questões e preocupações ambientais. Afinal, os recursos naturais estão se esgotando... isso é alardeado desde que sou criança. O que importa é que o desenvolvimento não pode parar. "Sacrifícios menores" devem ser tolerados para o progresso e "bem de todos". Na verdade, "os bens" de poucos.
Me irrito há tempos com esse discurso midiático do desenvolvimento sustentável. Alternativas e soluções são apresentadas frequentemente e oportunamente até em programas temáticos específicos (lembra-se do pioneiro Globo Ecologia?). Contudo, ninguém até hoje, pelo que tenha visto, desestimulou o consumo de coisas inúteis. Nem mesmo os programas e educação ambiental. Que horror! Separe o lixo da sua casa, mas compre o carro último modelo. Compre produtos de empresas com o selo ambiental e baixe o aplicativo para o seu Smartfone que monitora o índice de poluição. Quanta picaretagem. Quanta desonestidade.
Estou farto desse papinho ambiental. Até candidatos do PV, que se julgam baluartes da causa ambiental, vendem fórmulas que combinam desenvolvimento econômico e preservação ambiental. Pra cima de mim não, violão. Não me satisfaço com a "queda nos índices de desmatamento", mas ao mesmo tempo, aumento da indústria automobilística e de bens de consumo.
Talvez o socialismo tenha uma resposta mais concreta, viável e honesta para esse tema. Agricultura familiar. Microusinas energéticas. Reaproveitamento de resíduos para produção de energia. Transporte coletivo de massa. Distribuição de renda. Socialização dos bens de produção. Reforma agrária com condições de produção. Educação humanizada, e não alienada. Êxodo urbano. Etc.
Viagens minhas. Mas sem esse papinho chinfrim de Rio+20. Gostaria mesmo é de reunir 20 e ir ao Rio pra gritar isso na cara desses hipócritas. Mas... não deu desta vez. Grito por aqui mesmo.

Sugestões de referências:
A história das coisas. http://www.youtube.com/watch?v=3c88_Z0FF4k . Acesso em 13/06/2012
Ecologia e Socialismo. Michael Löwy. São Paulo, Cortez, 2005.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Marcha das Vadias


Fibra total. Marcha das vadias é mais um grito estridente que se origina na violência cotidiana que a mulher sofre e sempre sofreu em toda a história. Mais um basta. É necessário o reconhecimento desta marcha, e para quem a discerne, a obrigatoriedade da mudança de atitude e paradigma. Liberdade! De fato, somos todos vadias(os).


Manifesto 2012 – Por que marchamos?

Carta Manifesto da Marcha das Vadias/DF 2012
Por que marchamos?
Em 2011, fomos duas mil pessoas marchando por uma sociedade sem violência contra a mulher. No DF, marchamos porque houve cerca de 684 inquéritos policiais em crimes de estupro – uma média de duas mulheres violentadas por dia -, e sabemos que ainda há várias mulheres e meninas abusadas cujos casos desconhecemos. Marchamos porque muitas de nós dependemos do precário sistema de transporte público do Distrito Federal, que nos obriga a andar longas distâncias sem qualquer segurança ou iluminação para proteger as várias mulheres que são abusadas sexualmente ao longo desses trajetos.
Dia 26 de maio deste ano, continuaremos marchando porque, no Brasil, aproximadamente 15 mil mulheres são estupradas por ano e, mesmo assim, nossa sociedade acha graça quando um humorista faz piada sobre estupro. Marchamos porque o nosso Superior Tribunal de Justiça inocentou um homem que estuprou três meninas de 12 anos alegando que elas já se prostituíam, culpabilizando as vítimas, ignorando sua situação de vulnerabilidade e negando a falência do próprio Estado, incapaz de garantir uma vida digna para que meninas tão novas não fossem levadas a serem exploradas sexualmente. Marchamos porque vivemos em uma sociedade onde homens são capazes de planejar e executar um estupro coletivo de seis mulheres como “presente de aniversário”. Marchamos pelo direito ao aborto legal e seguro, porque não queremos Legislativo, Judiciário ou Executivo interferindo em nossos úteros para nos dizer que um aborto é pior que um estupro. Marchamos principalmente para que as mulheres pobres, que abortam em condições desumanas, não continuem sendo criminalizadas e levadas à morte pela negligência e perseguição do Estado, como no caso recente em que o Tribunal de Justiça de São Paulo levará uma mulher acusada de aborto a Juri Popular a pedido do Ministério Público. Marchamos porque o Brasil ocupa, vergonhosamente, o 7 º lugar em homicídio de mulheres e porque, a cada 15 segundos lendo este Manifesto, uma mulher é agredida em algum canto do país.
Continuaremos marchando porque nos colocam rebolativas e caladas como mero pano de fundo em programas de TV nas tardes de domingo e utilizam nossa imagem semi-nua para vender cerveja, vendendo a nós mesmas como mero objeto de prazer e consumo dos homens. Continuaremos marchando porque vivemos em uma cultura patriarcal que aciona diversos dispositivos para reprimir a sexualidade da mulher, nos dividindo em “santas” e “putas”, e a mesma sociedade que explora a publicização de nossos corpos – voltada ao prazer masculino – se escandaliza quando mostramos o seio em público para amamentar nossas/os filhas e filhos. Continuaremos marchando porque mulheres ainda são minoria em cargos de poder e recebem em média 70% do salário dos homens. Continuaremos marchando porque há trabalhos desempenhados por uma maioria feminina que não são reconhecidos, nem dotados de valor econômico, porque as trabalhadoras domésticas são invisibilizadas, exploradas, discriminadas e não têm assegurados alguns dos direitos fundamentais mais básicos do trabalho. Continuaremos marchando porque prostitutas fazem parte do funcionamento de uma sociedade machista e hipócrita que, ao mesmo tempo em que se utiliza de seus corpos, insiste em negar suas cidadanias.
Marchamos contra o racismo porque durante séculos nós, mulheres negras, fomos estupradas e, hoje, empregadas domésticas são violentadas, assim como eram as mucamas. Marchamos pelas crianças negras que são hostilizadas pela cor de sua pele, por seus cabelos crespos e são levadas a negar suas identidades negras desde a infância, impelidas a aderir ao padrão de beleza racista vigente. Marchamos porque nossa sociedade racista prega que as mulheres negras são “putas” por serem negras, tratando-nos como mulas, mulatas e objetos de diversão, desprovidas de dor e pudor. Marchamos porque nós negras vivenciamos desprezo e desafeto reduzindo nossas possibilidades afetivas; “Vadia” enquanto estigma recai especialmente sobre nós negras, por isto marchamos em repúdio a esta classificação preconceituosa e discriminatória de nosso pertencimento étnico-racial.
Marchamos pela saúde das mulheres negras, porque temos menos acesso aos serviços de saúde, porque nos negam pré-natais, cesarianas e anestesias por acreditarem que somos animais e não sentimos dor, porque sofremos tentativas de extermínio ao sermos submetidas a esterilizações cirúrgicas sem nosso consentimento, porque somos as que mais morremos em virtude de abortos clandestinos e de complicações no parto, porque nos oferecem atendimento inadequado por terem nojo de nossos corpos negros. Marchamos pelas cotas raciais nas universidades públicas, porque temos menos acesso à informação e ao ensino superior e queremos ser mestras, doutoras e ter autoridade do argumento para escrever nossas próprias histórias. Marchamos para exigir providências contra as ameaças dirigidas a nós da Marcha das Vadias e às/os estudantes da Universidade de Brasília, proferidas por grupos de ódio que insultam mulheres, negros/as e homossexuais. Marchamos porque não vamos deixar que o medo nos silencie.
Marchamos também porque nós, mulheres indígenas, lideramos os índices de mortalidade materna e há mais de quinhentos anos sofremos agressões e estupros como arma do genocídio social e cultural de nossos povos. Marchamos porque mulheres e meninas indígenas têm suas necessidades específicas ignoradas pelo governo, que negligencia o fato inaceitável de que, no mundo, uma em cada três indígenas é estuprada durante a vida e que, no Brasil, muitas mulheres e meninas indígenas são levadas à prostituição e ao trabalho escravo pela condição de extrema pobreza em que vivem.
No mundo, marchamos porque desde muito novas somos ensinadas a sentir culpa e vergonha pela expressão de nossa sexualidade e a temer que homens invadam nossos corpos sem o nosso consentimento; marchamos porque muitas de nós somos responsabilizadas pela possibilidade de sermos estupradas, quando são os homens que devem ser ensinados a não estuprar; marchamos porque mulheres lésbicas de vários países sofrem o chamado “estupro corretivo” por parte de homens que se acham no direito de puni-las para corrigir o que consideram um desvio sexual. Marchamos porque, como reflexo desse cenário de opressão e subordinação, 70% das mulheres com deficiência intelectual, como a síndrome de down, já sofreram abuso sexual, cometido muitas vezes por seus próprios cuidadores e/ou familiares. Marchamos porque ontem um pai abusou sexualmente de uma filha, porque hoje um marido violentou a esposa e, nesse momento, várias mulheres e meninas estão tendo seus corpos invadidos por homens aos quais elas não deram permissão para fazê-lo. Marchamos porque há poderes institucionalizados que banalizam todas essas violências, porque o Estado não toma todas as medidas necessárias para prevenir as nossas mortes e porque estamos cansadas de sentir que não podemos fazer nada por nossas irmãs agredidas e mortas diariamente.
Mas podemos.
Já fomos chamadas de vadias porque usamos roupas curtas, já fomos chamadas de vadias porque transamos antes do casamento, já fomos chamadas de vadias por simplesmente dizer “não” a um homem, já fomos chamadas de vadias porque levantamos o tom de voz em uma discussão, já fomos chamadas de vadias porque não seguimos o que a sociedade ou a nossa família esperava de nós,  já fomos chamadas de vadias porque andamos sozinhas à noite e fomos estupradas, já fomos chamadas de vadias porque ficamos bêbadas e sofremos estupro enquanto estávamos inconscientes, por um ou vários homens ao mesmo tempo, já fomos chamadas de vadias quando torturadas e curradas durante a Ditadura Militar e em todos os regimes carcerários antes e depois disso. Já fomos e somos diariamente chamadas de vadias apenas porque somos MULHERES.
Mas, hoje, marchamos mais uma vez para dizer que não aceitaremos que palavras e ações sejam utilizadas para nos agredir. Nenhuma palavra mais vai nos parar, impedir, restringir ou dividir, pois os direitos das mulheres são de todas. Enquanto, na nossa sociedade machista, algumas forem invadidas e humilhadas por serem consideradas vadias, TODAS NÓS SOMOS VADIAS. E somos todas santas, e somos todas fortes, e somos todas livres para ser o que quisermos! Somos livres de rótulos, de estereótipos e de qualquer tentativa de opressão masculina à nossa vida, à nossa sexualidade e aos nossos corpos. Estar no comando de nossa vida sexual não significa que estamos nos abrindo para uma expectativa de violência, e por isso somos solidárias a todas as mulheres estupradas em qualquer circunstância, porque tiveram seus corpos invadidos, foram agredidas e humilhadas, tiveram sua dignidade destroçada e muitas vezes foram culpadas por isso. O direito a uma vida livre de violência, o direito à expressão da própria sexualidade e a autonomia sobre o próprio corpo são alguns dos direitos mais básicos de toda mulher, e é pela garantia desses direitos fundamentais que marchávamos há um ano, marchamos hoje e marcharemos até que todas sejamos livres.
Marcharemos para que não restem dúvidas de que nossos corpos são nossos, não de qualquer homem que nos assedia na rua, nem dos nossos pais, maridos ou namorados, nem dos pastores ou padres, nem dos Congressistas, nem dos médicos ou dos consumidores. Nossos corpos são nossos e vamos usá-los, vesti-los e caminhá-los por onde e como bem entendermos. Livres de violência, com muito prazer e respeito!
Negras, brancas, indígenas, estudantes, trabalhadoras, prostitutas, camponesas, transgêneras, mães, filhas, avós. Somos de nós mesmas, somos todas mulheres, somos todas vadias!
Vídeo muito bacana da marcha/2012