quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O exemplo de Sócrates


O dr. Sócrates não pode ser eleito como um jogador de futebol à frente de seu tempo, mas fora de tempo, pois como ele poucos exemplos (sinceramente, não me recordo de nenhum) possuíram uma conduta revolucionária dentro desse campo de trabalho. Sua visão não demonstrava ser mercadológica nem marqueteira, como os oportunistas exploradores e bandidos que circulam neste meio, mas sim qualitativa  em relação ao exercício do trabalho do jogador de futebol, ofício que ele exercia não como alternativa única de posicionamento social, mas como atividade de prazer. Já a faculdade de medicina lhe garantiu um futuro profissional diferenciado em relação aos seus pares. Ele teve condições materiais, familiares, econômicas, sociais, de discernir sobre que alternativa escolheria para se posicionar em sua vida profissional após o término da carreira de jogador. Isto não ocorre entre (estimativa jocosamente pessoal) 99,1% daqueles que se lançam na carreira profissional de boleiro.
Há de se ressaltar a extrema dedicação e competência pessoal para conciliar a carreira de jogador profissional e o estudo da medicina.. A prática profissional de futebol com maior embasamento político certamente obteve maior consistência com a soma de todos esses fatores. Divago se ele não fazia a indagação: "qual a merda da diferença entre o trabalho do médico, do jogador de futebol, do lixeiro, do professor"? Ou ainda "porque apenas as profissões mais conceituadas têm oportunidade de diálogo em relação ao exercício de seu trabalho?"
Ele foi iconizado como o Doutor da bola e da democracia.
Suas declarações e posturas deixavam claro que ele estava se lixando para o moralismo que encharca nossa sociedade: fumante e bebedor de cerveja, e ainda por cima atleta e médico.  Poderia ser análogo ao exemplo do professor de educação física obeso, ou do lixeiro culto. Que tapa maior no conservadorismo do senso comum poderia ser dado, que rompimento de paradigma mais explícito poderia ser demonstrado naquele momento histórico, na verdade, em nosso momento histórico? Ao fazer isso e incitar outras ações como a Democracia Corintiana ele acabou dialeticamente reforçando uma demanda histórica então emergente por liberdade e protagonismo social mas, ao mesmo tempo, reforçando a concepção que a transformação, de fato, emana de quem tem condições para tal, e não do povo que é pobre, lascado e mal instruído. E dessa responsabilidade ele tinha clareza. 
Outros jogadores que também lutavam por liberdade de expressão, de exercício livre de seu trabalho e de sua vida pessoal foram estigmatizados como encrenqueiros, indisciplinados, arruaceiros, vagabundos, violentos, ou o que lhe valha. Não eram doutores, mas pobres que encontraram no futebol alternativa única de ascensão socioeconômica. Gosto de citar o exemplo de Edmundo, pois ele se enquadra perfeitamente neste exemplo. Craque de bola, inteligente, mas... Animal. Como ele tantos outros, eu incluso, que querem apenas exercer bem o seu trabalho e, após o compromisso, tomar uma gelada com a família e os amigos, curtir um cineminha, levar os filhos ao parque. Sócrates também. Animal, certamente também.
O engajamento político é, inevitavelmente, o o legado mais marcante do doutor da bola. Exímio craque de bola, ele botou pra F. nas fileiras reacionárias daqueles que gerenciavam o "departamento profissional" do clube em que jogava, democratizando radicalmente as decisões sobre o exercício do trabalho. E apresentou resultados efetivos que agradaram a todos: torcida, trabalhadores da bola e dirigentes (pois o retorno midiático e financeiro foi incontestável). Esse grupo e seu líder demonstraram que o trabalho pode ser exercido de forma plena, liberta e democrática, no sentido de oportunizar o diálogo e a tomada de decisões colegiadas junto aos co-partícipes daquela pequena sociedade.
A Democracia do dr. sucumbiu a interesses econômicos e mercadológicos presentes no meio futebolístico de alta competitividade. A gestão do futebol, ao se profissionalizar sob a orientação da lógica neoliberal liderada e avalizada pela FIFA e pelo COI, mediou interesses dos trabalhadores, patrões e mercadores do esporte. Dessa forma, assim como no mercado de trabalho, os direitos e obrigações dos trabalhadores do esporte de alto rendimento são conceitualmente compatíveis com a dos demais trabalhadores. Ou seja, prevalece a lógica do patrão.


A lição

Os projetos para a educação física da rede pública de ensino Distrito Federal que passou recentemente (em seus níveis diversos - desde sua direção até ao piso batido da quadra) por um processo de reestruturação semelhante a Democracia do dr. Sócrates, tais como o surgimento de formações, de manifestos pedagógicos, reformulação de seu currículo, reforçamento de ações na educação física escolar, desporto e jogos escolares e ampliação de sua intervenção para todos os níveis de ensino, tem sinalizado um possível sucumbimento frente a declarações e acontecimentos recentes, emanados de poderes que mediam os mesmos interesses referidos acima. Porém , mais do que prazer ou direito social, como Sócrates transmitiu em sua vida profissional, mas também por ideologia e justiça, essa luta que é representada por esse projeto histórico não sucumbirá, esteja no campo de ação que estiver. O poema representa meu sentimento frente a esse golpe.






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